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Cristianismo a religião da paz ?

Atualizado: 19 de mar. de 2022

Uma das coisas que a maioria das pessoas não para pra pensar é o quanto ser historiador é uma profissão fantástica. Isso porque normalmente quando vamos discutir sobre alguma pauta em nossa política atual normalmente podemos usar de argumento para efeito de comparação algum outro país contemporâneo que adotou a mesma política ou algum outro momento histórico como base para saber se essa política seria positiva ou negativa para a sociedade atual. Cabe aos historiadores formar a opinião pública a respeito do segundo. Assim dependendo de como isso se dá a opinião pública sobre algum fato o rumo que a política toma podem mudar completamente .


Por exemplo, existem muitas pessoas atualmente que são contra o estado laico. A maioria não de forma assumida, mas apenas o burlam na cara dura e dizem frases como: "O estado é laico mas não é ateu" enquanto apoiam uma lei que beneficia uma religião específica , na maioria das vezes a cristã. Exemplo disso é a bancada evangélica se posicionando contra os direitos LGBT , aborto e tentando colocar aulas de criacionismo como se fosse ciência nas escolas. Obviamente o argumento para isso é muitas vezes religioso. Durante muito tempo um argumento frequentemente usado contra as pessoas que defendem o estado confessional cristão é que na Idade Média tínhamos um estado confessional cristão e o que tivemos na verdade foi uma época de trevas, com milhões de mortos pela Igreja, guerras santas, atraso científico e uma série de bizarrices. Uma época de tanto terror fazia qualquer defesa de um estado confessional perder força.


No entanto recentemente novas pesquisas a respeito da Idade Média desmitificaram isso. Segundo ela, a tão temida Inquisição na verdade matou menos que bicicletas infantis, com apenas 8 mil a 10 mil pessoas e só valeria para cristãos. Outras pesquisas demonstram que na Idade Média é bem provável que as pessoas já soubessem que a Terra é redonda , além de ter sido criado várias universidades o que desmentiria o argumento que foi uma época de atraso científico. Como já deve se imaginar essas novas descobertas mudaram o rumo dos debates a respeito do estado laico.


Agora sempre que uma pessoa defende o estado confessional cristão e alguém o questiona argumentando sobre os horrores da Idade Média o defensor do estado confessional usa essas novas pesquisas e tenta passar a ideia que um estado confessional cristão seria bom tal como era na Idade Média. Essa narrativa dá força para grupos fundamentalistas em tentar formular as leis em sociedade baseadas em um fundamentalismo cristão. No entanto tal argumento é no mínimo equivocado. Primeiro que a Igreja Católica matar pouco durante a Inquisição não muda o fato que ela cometeu diversos outros massacres e tomou várias políticas autoritárias por motivos religiosos.


A começar pelas bulas Ad Abolendam (1184) e Vergentis in Senium, promulgadas por Lúcio III. A primeira era basicamente uma bula papal que autorizava a perseguição aos hereges e punições como confisco de bens de pais e filhos. Inocêncio III igualou a heresia ao crime de Lesa-Majestade que era punido com a morte, ou seja na prática legalizou a morte de hereges. Temos também a famosa Ad Extirpanda que legalizava na prática o confisco de bens, prisão e tortura de quem fosse considerado herege. Quem era um herege para a Igreja? Simplesmente qualquer um que fosse de outra religião ou até mesmo fosse cristão mas não católico. Homossexuais e pessoas com práticas consideradas erradas pela cultura local como a bruxaria , condenada formalmente pela bulas Super illius specula (1326 ) e Summis Desiderantis Affectibus (1484), e também eram perseguidas. Só ao jesuíta Johann Von Schoneburg é atribuída mais de 368 mortes de bruxas, por exemplo. Um revisionismo recente elenca algumas condições para que a pessoa pudesse ser torturada e até algumas regras para ela ocorrer. Tudo isso tentando relativizar a crueldade da Igreja. Algumas delas são :


1. "Não era a igreja que torturava , e sim o estado. Não devemos confundir o julgamento civil com o da Igreja "


Acontece que isso para o contexto da época é irrelevante. Igreja e Estado na época tinham relação simbiótica. Ela não fazia nada que não tivesse aprovação dos reis e os reis não faziam nada que não tivesse aprovação dela. Tanto que a Igreja não só apoiava a tortura como delegava ao estado a faze-la através da lei 25 da Ad Extirpanda .


"Ademais, o potentado ou o governante deve coagir todos os hereges aprisionados, sem chegar à amputação dos membros e ao risco de morte, a se considerarem verdadeiramente como ladrões, assassinos das almas e assaltantes dos sacramentos de Deus e da fé cristã, a reconhecerem expressamente seus erros e a acusar outros hereges que conhecerem, e identificarem os bens deles, os partidários, os acolhedores e os defensores dos mesmos, tal como os ladrões e os assaltantes dos bens temporais são obrigados a acusar seus cúmplices e a reconhecer os crimes que cometeram. "


Isso fica claro também quando entendemos o conceito de excomunhão como punição pela heresia. Apesar de soar mais suavemente, a excomunhão significa que a pessoa não poderia receber a comunhão nas missas e no caso da excomunhão maior nem poderia se agregar aos outros indivíduos da sociedade. Ou seja sofreria uma espécie de ostracismo social, que duraria um ano e após esse período deveriam dizer em praça pública que se arrepende de seu pecado e poderia voltar a normalidade. Do contrário seria entregue ao estado e então seria executado. Ou seja não se engane, a Igreja não executava mas mandava o estado executar pois a relação dos dois ser simbiótica. E toda vez que falarem de excomunhão nessa época entenda como uma sentença de morte na prática.


2. "As pessoas só podiam ser torturadas uma vez"


Ainda sim não muda que pessoas eram torturadas só por não crerem em um deus. Ou muitas vezes até acreditavam no deus cristão mas não queriam se submeter a Igreja Católica. E isso é bem condenável! Devemos entender também que não é porque está escrito como deveria ser que na prática era rigorosamente assim. Tommaso Campanella um filósofo, teólogo, astrólogo, e poeta italiano (1568-1639) por exemplo foi torturado 7 vezes em seu processo inquisicional. Muitas vezes ocorriam várias torturas que eram entendidas como uma extensão da primeira.


3. "Não se podia quebrar ossos ou matar a pessoa"


Novamente na prática não era assim, Jean Calas (1698 -1762) por exemplo teve seus dois braços quebrados duas vezes em seu julgamento. Era comum que ossos se quebrassem durante a tortura no Rack por exemplo. Sobre a morte devemos levar em conta que o objetivo era fazer o torturado confessar crimes , um morto obviamente não pode confessar nada. Mas não muda que aqueles que não confessassem ou se recusassem a seguir aquela catolicismo era condenado a morte.


Aproveito essa parte para falar um pouco sobre os métodos de tortura usados na Idade Média. Muitos revisionistas cristãos com o objetivo de relativizar as atrocidades cometidas pela Igreja tem questionado que muitos métodos de tortura nunca foram usados na Idade Média. Alguns citados são o berço de judas , dama de ferro e cadeira espanhola. No caso do berço de Judas ou pera da angústia temos sim alguns estudos que apontam que eles eram usados na Idade Média, mas isso não importa . Existem vários outros métodos de tortura que eram usados em larga escala na Idade Média e revelam o quanto a Igreja Católica era cruel na época. Alguns deles :







Outro argumento revisionista é tentar dizer que o número de mortos pela Igreja é bem menor do que o que se imagina. Como já dito é afirmado por eles que a Inquisição matou apenas 10 mil pessoas e não milhões como é comumente ensinado por aí. Bom, de fato a Inquisição não matou milhões como se acreditava até pouco tempo atrás. Mas o que isso significa? Que a Igreja na verdade era boazinha e não perseguia ninguém? Negativo! A Inquisição não era nem de longe a única forma de perseguição da Igreja na Idade Média, muito pelo contrário. Aqui uma lista de ofensivas cristãs aprovadas e promovidas pela Igreja Católica:


Cruzada Algebiense : 20 mil mortes

Cruzada do Norte : 10 mil mortes

Cruzadas contra hussitas : 13 mil mortes 

Inquisição  : 8 mil mortes

Caça as bruxas : 50 mil mortes 

Mortes de judeus pelos cristãos : 27 mil mortos . 

Cruzadas contra valdenses : 2 mil mortos

Massacre contra Anabatistas : 100 mil mortos

Total : 234 mil mortes pelo cristianismo


Ou seja só nessa brincadeira a Igreja matou mais de 200 mil pessoas, promoveu guerras e perseguição religiosa a grupos minoritários, o que sem dúvidas já deveria ser argumento suficiente para desbancar qualquer argumento pró estado confessional. Mas ainda não é suficiente para os revisionistas. Quando confrontados com esse fato cristãos fundamentalistas alegam absurdos como que esse número nem é tão alto assim, e que o socialismo por exemplo matou mais de 100 milhões de pessoas. Um argumento errado em vários níveis, pois ele só poderia ser usado contra alguém que de fato esteja defendendo o socialismo em detrimento do cristianismo, pois se houver uma terceira opção ou a pessoa crítica do estado confessional cristão não for socialista esse argumento é inválido. A menos claro que se invoque o argumento que pelo fato do socialismo ser ateu logo as mortes causadas por ele entram também na conta do ateísmo, o que novamente está errado.


A verdade é que houve perseguição religiosa da mesma forma que houve perseguição política e perseguição ideológica nos países socialistas, ou seja os motivos não eram apenas religiosos. Devemos considerar também que boa parte das mortes creditadas ao socialismo se deram por fome e atingiram a população como um todo, não apenas religiosos. Como o caso de Mao, das 60 milhões de mortes atribuídas a ele metade foi da desastrosa política do grande salto adiante que matou de fome religiosos e não religiosos. Assim seria necessário fazer uma separação de quantas mortes foram de fato causadas por perseguição religiosa e não apenas atribuir todas mortes do socialismo, como é feito por exemplo por quem cita a Guerra Cristera para atribuir mortes ao ateísmo. Isso para começarmos a cogitar tal possibilidade, pois devemos lembrar que pessoas sensatas não defendem necessariamente um estado ateu anti religião, mas sim um estado laico, ou seja sem religião oficial mas com liberdade religiosa inclusive para a não crença. Mesmo ignorando esse fato, caso a pessoa insista fervorosamente em atribuir as mortes do socialismo ao ateísmo fica claro que o critério dela é algo como: Se o líder do genocídio era ateu logo todas as mortes cometidas por esse estado devem ser atribuída ao ateísmo. Bem, se o critério for esse então basta fazer algo parecido com o cristianismo e assim temos uma comparação justa. Aqui uma lista seguindo esse critério (Fontes no final do texto):


Cruzada Algebiense : 20 mil mortes

Cruzada do Norte : 10 mil mortes

Cruzadas contra hussitas : 13 mil mortes

Massacre de Verden : 4,5 mil mortes

Inquisição : 8 mil mortes

Caça as bruxas : 50 mil mortes

Mortes de judeus pelos cristãos : 27 mil mortos .

Cruzadas contra valdenses : 2 mil mortos

Massacre contra anabatistas : 100 mil mortos

Massacre de huguenotes : 30 mil mortes no mínimo

Tráfico escravos Atlântico (Século XV-XIX) : 18 Milhões de mortos Guerras Napoleônicas (Século XVI-XVII): 4 Milhões de mortos Guerras religiosas na França (Século XVI): 3 Milhões de mortos Fome na India Britânica causada pelo governo propositalmente (Século XIX): 17 Milhões de mortos

Massacre no Congo: 10 milhões de mortos

Rebelião Taiping: entre 20 e 40 milhões de mortos, vamos considerar 20 milhões


Total : 72,2 milhões mortes pelo cristianismo. Lembrando que tirando a Rebeliao Taiping, fome na Índia e Guerras religiosas da França, todas são do catolicismo, ou seja o catolicismo foi responsável por pelo menos 32,2 milhões de mortes.

Muitas pessoas podem alegar que ainda sim seria um número baixo e comparar com as mortes pelo islamismo e socialismo serem muito maiores , o último matando algo em torno de 100 milhões. Eu até poderia sair vasculhando mais guerras por aí até igualar os 100 milhões de mortes pelo socialismo mas acredito que para qualquer um com o mínimo de senso crítico já percebeu que não é necessário, afinal estamos falando de dois regimes genocidas equivalentes, alguém entre os 70 milhões de mortos pelo cristianismo na certa não vai pensar: "Nossa, ainda bem que não estou no regime comunista que matou 30 milhões a mais do que aqui hahah". Uma ideologia que mata 70 milhões não é muito melhor que uma que mata 100. Até porque para refutar o argumento da temporalidade, que pode alegar que o cristianismo matou essa quantidade em séculos enquanto o socialismo em menos de um século sendo proporcionalmente mais genocida, mostraremos logo na seqüência que essa diferença pode ser meramente fruto do tempo que os massacres se deram.


Isso porque como Steven Pinker conta no livro "Os anjos bons de nossa natureza", as guerras com o tempo se tornaram mais mortíferas devido a melhora na tecnologia de matar, e boa parte dos massacres cristãos citados se deram na Idade Média, onde a tecnologia de matar era menos eficiente enquanto que o socialismo já começa a ganhar corpo no fim do século XIX e se materializa no século XX com a Revolução Russa, uma época que a tecnologia de matar já estava bem mais evoluída e torna os massacres mais potentes. Tanto que massacres cristãos mais recentes como o do Congo matou na casa dos 10 milhões de pessoas. Ainda nesse livro é mostrado que em épocas muito antigas como a Idade Média a população era menor então morrer certa quantidade de pessoas na época tem um impacto diferente que morrer a mesma quantidade hoje em dia. Se fizermos a proporcionalidade para uma população parecida com a atual para termos uma noção percebemos que massacres como o das guerras religiosas na França que mataram 3 milhões de mortos equivalem a um massacre de 14 milhões de pessoas nos tempos atuais, as Guerras Napoleônicas equivalem a 11 milhões de mortos hoje em dia e o tráfico de escravos no Atlântico a incríveis 83 milhões de mortes. Ou seja a Igreja caso tivesse as mesmas políticas de extermínio e tecnologia melhor na época da idade Média na certa teria matado muito mais do que matou.


Aliás a relação da Igreja e escravidão é outro ponto muito questionado pelos revisionistas. Antes de falar sobre ela vamos relembrar o que convencionalmente aprendemos: Em um primeiro momento (por volta de 1400 a 1500) a Igreja autorizou a escravidão dos negros e proibiu a dos indígenas e depois de muito tempo, com movimentos abolicionistas ganhando força a Igreja mudou seu posicionamento. Está errado? Não! Temos muito bem documentado em bulas papais o apoio da Igreja a escravidão. Uma delas e a mais famosa é a Dum diversas (1452) promulgada pelo Papa Nicolau diz claramente em seu texto:


"... nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades... E REDUZIR SUAS PESSOAS À PERPÉTUA ESCRAVIDÃO, E APROPRIAR E CONVERTER EM SEU USO E PROVEITO E DE SEUS SUCESSORES, os reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades, possessões e bens semelhantes...”


Na tentativa de desassociar a culpa da Igreja, os revisionistas seguem duas linhas argumentativas: Uma que apenas contextualiza a bula falando que ela foi promulgada em meio a uma época de invasões muçulmanas e outra que cita bulas da mesma época supostamente condenando a escravidão. A primeira é totalmente irrelevante, pois mesmo que ela tenha surgido como uma resposta a invasão dos árabes em territórios cristãos não muda o fato que posteriormente ela foi usada com o objetivo de legitimar a subjugação de outros povos. Quem usa esse argumentos foca no trecho que cita os sarracenos e esquece totalmente a parte "pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo". A segunda linha é também igualmente falaciosa e basta um mínimo de estudo básico de história e prestar atenção na data de sua promulgação e pronto. A mais comum é a bula In Supremo (1839), que pela data já mostra que se dá bem depois do período do tráfico transatlântico de escravos.


Em outros casos até se trata de bulas em uma época próxima a Dum Diversas, mas ao contextualiza-las vemos que cita-las é um argumento igualmente errado. Por exemplo, quando citam a Veritas Ipsa (1537) , que tem vários trechos de fato condenando a escravidão esquecem que ela mudou só a escravidão indígena, não falando nada sobre a escravidão dos africanos. Uma dificuldade muito grande que os defensores da Veritas Ipsa como abolidora da escravidão aparentam é não se atentar corretamente ao texto, e focar muito nas partes que ela diz que é proibido a escravidão de qualquer povo e não ler o complemento da frase que diz claramente que é apenas os que vierem a serem descobertos logo depois de se referir aos índios, dando a entender que são os povos das Américas já que os africanos já haviam sido descobertos. Alguns até tentam interpretar os índios do meio dia como os africanos mas não há nada no texto que indique isso, na época o grande debate era sobre os indígenas, o que fica claro por exemplo na controvérsia de Vallalloid em que um filósofo chamado Sepúlveda defendia abertamente a escravidão indígena baseado em um texto de Aristóteles sobre os bárbaros e outro chamado Las Casas era contra e esses debateram por quase dez anos, no final com vitória de Las Casas e proibição da subjugação dos índios. Outro texto freqüentemente usado é a Sicut Dudum (1435) e a Creator Omnium (1434) que na verdade só faz referência a população de Canárias.


Sobre essa parte inclusive os cristãos nem precisam acreditar em mim, podem acreditar no livro "Grandes mentiras sobre a Igreja Católica" que diz exatamente isso:


"Entrementes, a Igreja Católica, reiteradamente, condenava a escravidão. Há inúmeras bulas papais a respeito: Sicut Dudum (1435) — Eugênio IV manda libertar os escravos DAS ILHAS CANÁRIAS; em 1462, Pio II instrui os bispos a pregarem contra o tratamento de escravos negros ETÍOPES, e condena a escravidão como um “crime tremendo”; Paulo III, na bula Sublimus Dei (1537) recorda aos cristãos que os ÍNDIOS são livres por natureza (isto é, AO CONTRÁRIO DOS NEGROS, eles não praticavam a escravidão); em 1571 o dominicano Tomás de Mercado declarou desumana e ilícita a escravidão; Gregório XIV (Cum Sicuti, de 1591) e Urbano VIII (Commissum nobis, de 1639) condenaram a escravidão.[10]"


Nesse trecho fica claro que várias bulas citadas por cristãos como abdicadoras da escravidão na verdade só se referiam a regiões específicas citadas. Não que tal trecho não esteja livre de erros também, como ao citar a Cum Sicuti como libertadora da escravidão geral sendo que só se referia a filipinos e a Commissum Nobis que ó se referia a indios, novamente e pra piorar só a índios do Brasil e Paraguai. Um trecho dela:


“(...) que daqui por diante não ousem ou presumam cativar os sobreditos ÍNDIOS, vende-los, compra-los, troca-los, dá-los, aparta-los de suas mulheres e filhos, priva-los de seus bens, e fazenda, leva-los e manda-los para outros lugares, priva-los de qualquer modo de liberdade, retê-los na servidão e dar a quem isto fizer, conselho, ajuda, favor e obra com qualquer pretexto e color ou pregar, ou ensinar, que seja isso licito ou cooperar no sobredito declarando que quaisquer contraditores e rebeldes e que no sobredito vos não obedecerem, incorrerão na sobredita excomunhão, e também impedindo por outras censuras e penas eclesiásticas e outros oportunos remédios de Direito e feito sem apelação, agravando ainda por muitas vezes as ditas censuras e penas com legítimos processos que sobre isso se faça invocada também para isso sendo necessário ajuda do braço secular: porque Nós vos damos para isso plenária, ampla e livre faculdade de poder"


O que eles esquecem também é que além da Dum Diversas existem outras bulas que autorizaram a escravidão e subjugação dos povos africanos, como a Bula Romanus Pontifex (1454). O que fica claro nesse trecho dela:


"Nós [portanto] pesando tudo e especiais premissas com a devida meditação, e registrando que desde que nós tínhamos formalmente por outras cartas de nossa concordância entre outras coisas livrado e ampliado a faculdade para o já citado Rei Afonso -- para invadir, procurar, capturar, conquistar e subjugar todos os sarracenos e pagãos quais sejam, e outros inimigos de Cristo onde estiverem, e os reinos, ducados, principados, domínios, possessões, e todos movíveis e inamovíveis bens quais sejam guardados e controlados por eles e reduzi-los à perpétua escravidão, e aplicarem e apropriarem para si mesmo e para seus sucessores os reinos, ducados, países, principados, domínios, possessões e bens, e convertê-los para seu uso e lucro – por terem assegurado a citada faculdade, o citado Rei Afonso, ou, pela sua autoridade, o já citado infante, de maneira justa e legal têm adquirido e tomado posse dessas ilhas, terras, portos, mares e eles de direito fazem pertencer ao citado Rei Afonso e seus sucessores, e o infante, não sem especial permissão do Rei Afonso e de seus mesmos sucessores, e mesmo qualquer outro fiel em Cristo que nomeado até o momento, nem está ele por quaisquer meios neste momento nomeado legalmente para intrometer-se com isto – em ordem que o Rei Afonso mesmo e seus sucessores e o infante podem estar disponíveis para mais zelosamente perseguir e poder perseguir esse mais nobre e pio trabalho, e de mais valiosa perpétua lembrança (que, desde a salvação das almas, aumento da fé, e queda de seus inimigos podem ser proporcionados através disso, nós respeitamos como um trabalho em que a glória de Deus e a fé Nele, e Seu povo, a Igreja Universal, estão relacionados) na proporção que eles, tendo sido ajudados de todos os maiores obstáculos, deveriam achar-se apoiados por nós e pela Sé Apostólica com favores e graças – nós, estando inteiramente informados de tudo e as especiais premissas, fazemos, motu próprio, não na instância do Rei Afonso ou do infante, ou a pedido de qualquer outra proposta para nós em seu benefício a respeito desta matéria, e depois de madura ponderação, pela autoridade apostólica, e de conhecimento certo, no mais completo poder apostólico, nos termos deste presente decreto, declaramos que as já citadas cartas de faculdade (os termos a partir dos quais nós desejamos que sejam considerados como palavra por palavra inseridas nestes presentes, com todas e em especial as cláusulas ali compreendidas) são estendidas a Ceuta e para as aquisições citadas anteriormente e seja quais forem todas outras, mesmo aquelas adquiridas antes das citadas cartas, e para todas aquelas províncias, ilhas, portos, e mares sejam quais forem, que vierem no futuro, em nome do citado Rei Afonso e de seus sucessores e do infante, naquelas partes e as que vierem a ser anexadas, e nas mais distantes e remotas partes, que possam ser tomadas das mãos dos infiéis ou pagãos, e que elas estão compreendidas sob as citadas cartas de faculdade."


"Nós [portanto] pesando tudo e especiais premissas com a devida meditação, e registrando que desde que nós tínhamos formalmente por outras cartas de nossa concordância entre outras coisas livrado e ampliado a faculdade para o já citado Rei Afonso -- para invadir, procurar, capturar, conquistar e subjugar todos os sarracenos e pagãos quais sejam, e outros inimigos de Cristo onde estiverem, e os reinos, ducados, principados, domínios, possessões, e todos movíveis e inamovíveis bens quais sejam guardados e controlados por eles e reduzi-los à perpétua escravidão, e aplicarem e apropriarem para si mesmo e para seus sucessores os reinos, ducados, países, principados, domínios, possessões e bens, e convertê-los para seu uso e lucro – por terem assegurado a citada faculdade, o citado Rei Afonso, ou, pela sua autoridade, o já citado infante, de maneira justa e legal têm adquirido e tomado posse dessas ilhas, terras, portos, mares e eles de direito fazem pertencer ao citado Rei Afonso e seus sucessores, e o infante, não sem especial permissão do Rei Afonso e de seus mesmos sucessores, e mesmo qualquer outro fiel em Cristo que nomeado até o momento, nem está ele por quaisquer meios neste momento nomeado legalmente para intrometer-se com isto"


Tal bula depois foi reforçada pela Inter Caetera (1493), Bula Eximiae devotionis (1493) e Dudum Siquidem (1493). Portanto sim, a escravidão e suas mortes podem e devem ser colocadas na conta da Igreja e do cristianismo em geral. Assim fica claro a relação da Igreja com a escravidão mesmo que cristãos por motivos óbvios não aceitem.


Existe um argumento que nem valeria a pena citar aqui de tão falacioso que é, mas que devido a frequência que é usado é interessante rebatermos. É a ideia que o humanismo secular ateu seria o responsável por bem mais mortes que o cristianismo, e para sustentar esse argumento eles usam como base as mortes causadas por nazismo, socialismo e em casos mais absurdos até as mortes nas guerras mundiais. Tal argumento é totalmente errado e totalmente desprovido de critério. Basta lembrar que se o critério for o líder do país que causou as mortes ser de uma ideologia específica o cristianismo matou na casa dos 70 milhões. Para sustentar o argumento da responsabilidade do humanismo secular ateu o indivíduo teria que provar que todos os países que causaram guerras seguiriam o humanismo secular ateu, ou seja se não são ateus ou secularistas o argumento já vai pro ralo e eu garanto que a maioria das guerras na história não foram causadas por ateus seculares.


As guerras que ocorreram ao longo da história tiveram motivos diversos completamente diferentes de si, muitos países envolvidos nem eram seculares (vide guerras que envolvem o império Otomano por exemplo), então associar todas as mortes de todas as guerras só por esses se darem em um período pós iluminismo é totalmente idiota. Na verdade até mesmo associar movimentos como nazismo e socialismo ao humanismo secular ateu e comumente ao iluminismo também é totalmente errado.


A ideia de que o nazismo foi um produto do Iluminismo é ridícula. Como mostrou Steven Pinker no já citado “Os anjos bons de Nossa natureza” a ideologia nazista, os movimentos nacionalistas, romântico-militaristas e comunistas da mesma era, foram fruto do Contra Iluminismo do século XIX, fora da linha de pensamento que conecta Erasmo, Bacon, Hobbes, Espinosa, Locke, Hume, Kant, Bentham, Jefferson, Madison e Mill. O nazismo se caracterizava por valorizar o passado pagão, pré-cristão, da nação alemã, adotava ideias românticas de retorno à natureza e a uma existência mais “orgânica” e alimentava uma expectativa apocalíptica sobre um fim dos dias em que a eterna luta entre as raças se resolveria. Havia desprezo pelo racionalismo e sua associação com o desdenhado Iluminismo estava no âmago do pensamento nazista; os ideólogos do movimento enfatizavam a contradição entre a Weltanschauung (“visão de mundo”), a experiência natural e direta das coisas, e o Welt-an-denken (“pensamento sobre o mundo”), a atividade intelectual “destrutiva” que rebaixa a realidade através da conceituação, do cálculo e da teorização. Contra a “degenerada” adoração liberal-burguesa da razão, os nazistas advogavam a ideia de uma existência vital, espontânea, não ofuscada nem estorvada por compromissos ou dilemas. Vale lembrar que o nazismo e fascismo não eram necessariamente seculares, com a Igreja e religião tendo importante influência nas doutrinas desses governos.


O caso do socialismo é a mesma coisa, apesar de ser comumente associado ao iluminismo ele nada tem a ver com seus preceitos iniciais, muito pelo contrário. Rousseau por exemplo, que é tido como um dos influenciadores do pensamento de esquerda que mais tarde daria origem ao socialismo era um ferrenho crítico do iluminismo e se opunha a suas ideias. Assim, como dito tal tentativa de associar mortes de guerras totalmente aleatórias, por motivos totalmente aleatórios e sem o mínimo de critério é apenas uma tentativa desesperada de aumentar as cifras de mortes do ateísmo a todo custo, mesmo que para isso se sacrifique a lógica. Simplesmente patético.


Vamos aproveitar que estamos falando de guerras e puxar um gancho com as guerras santas. Muito se acusa a Igreja de guerras santas ao longo da história, sendo a principal delas as Cruzadas. Os revisionistas logo trataram de criar uma narrativa para isso alegando que elas na verdade foram guerras defensivas e que se não fosse por elas estaríamos falando árabe. A primeira coisa que fica claro com a afirmação descrita é que a pessoa não compreende o que seriam as cruzadas, e confunde as Cruzadas do Oriente Médio com a Reconquista da Península Ibérica. Uma vez separado esses dois eventos a verdade é que as Cruzadas do Oriente Médio não podem ser classificados como defensivas do ponto de vista católico já que até a promulgação da primeira, a guerra se concentrava entre Império Bizantino e muçulmanos, no máximo podemos falar em guerras preventivas que é um argumento para iniciar guerras muito ruim porque supõe algo que pode ou não acontecer. Outro fato interessante é que a dominação dos mouros a Península Ibérica não foi exatamente uma invasão muçulmana , já que começou com um rei visigótico Ágila II propondo uma aliança com um líder muçulmano do norte da África para derrotar seu rival pretendente ao trono Rodrigo.


Mesmo ignorando as Cruzadas vimos várias e várias ofensivas cometidas pela Igreja, que mataram pelo menos 200 mil pessoas fora outros conflitos como as guerras religiosas na França e seus 3 milhões de mortos. Números esses que são proporcionalmente bem maiores e poderiam ser ainda maiores se tivesse tecnologia de matar melhor na época. Ou seja não precisamos das Cruzadas para mostrar como guerras santas fazem parte do cotidiano de teocracias. Seria interessante compilar dados históricos de conflitos e ver se de fato houve mais guerras sob influência religiosa do que sem, mas a verdade é que qualquer que fosse o resultado dessa análise ela não seria muito boa para concluir qualquer coisa porque traz consigo dois problemas.


O primeiro é a dificuldade de separar guerras de fato religiosas com guerras de motivação política em estados que a relação dos dois é simbiótica. Em alguns casos como a cruzada algebiense e dos hussitas fica claro a motivação religiosa, mas a guerra do Iraque não fica tão claro até que ponto é político e até que ponto é religioso. No final seria um esforço imenso que estaria repleto de subjetividades de classificar algum conflito como não e como religioso. Outro motivo para não fazer isso é que a religião nem de longe a única razão para se fazer guerras, muito pelo contrário. O nacionalismo, o imperialismo e vários outros fatores levam a conflitos, então não se assuste se caso alguém faça esse compilado o número de guerras não religiosas seja até maior. Isso claro não refuta em nada que estados teocráticos tendem a entrar bastante em guerras, pois como mostrou Steven Pinker no seu livro a religião é uma força ideologizante e leva as pessoas a se comportar de modo tribalista, que favorece guerras. Mas como ele também mostrou, outros fatores como nacionalismo e ideologias políticas também fazem isso. Assim a conclusão correta não deveria ser que teocracias não causam tantas guerras, mas que outros fatores podem causar mais guerras que teocracias, porém que a religião também fomenta guerras santas e a crítica Igreja católica por isso é válida. Se queremos um estado pacífico devemos ser contra a teocracia e as outras forças ideologizantes.


Por último mas não menos importante é bom falarmos da relação da Igreja e a ciência. Historicamente as duas estiveram e até hoje estão em conflito em vários aspectos, e especialmente na Idade Média tivemos tantos casos de atraso científico que ela ficou conhecida como Idade das Trevas, por ela banir conhecimento e propagar crenças erradas. A ideia das pessoas acharem que a Terra era plana nessa época é extremamente contestada e já foi discutida no post sobre os 10 erros científicos da Bíblia, mas mesmo ignorando esse ponto ainda temos a ideia do heliocentrismo recebendo extrema resistência para ser aceito pela Igreja


Para tentar amenizar esses fatos é comum que cristãos citem cientistas que acreditavam em deus e suas descobertas importantes ou uma suposta boa relação da Igreja com a ciência, sendo essa criadora das primeiras Universidades do mundo. Bom, sendo uma época em que ateus eram perseguidos por serem considerados hereges e a maioria da população era cristã, estatisticamente falando é mais fácil haver cientistas cristãos que não cristãos nessa época. Ou seja esse primeiro ponto é totalmente irrelevante. Sobre a Igreja construir as primeiras universidades, basta 5 minutos pesquisando e descobrimos que as 3 primeiras universidades do mundo foram na verdade muçulmanas, sendo mais especificamente Universidade Ez-Zitouna (737 d.C), Universidade al Quaraouiyine (859 d.C) e Universidade de Alazar (988 d.C), para só depois surgir as primeiras universidades europeias católicas. Na tentativa de desmerecer esse fato, cristãos alegam que essas universidades só se dedicavam a teologia e não as ciências, o que é falso já que temos registro de ensino de direito, matemática, astronomia, medicina e botânica na Universidade de e Ez-Zitouna e ciências naturais na Universidade de Fez. Só pra constar existe a Universidade de Nalanda, em Bihar, na Índia do século V d.C, com um currículo composto por teologia, filosofia, matemática, astronomia, alquimia e anatomia, mas que por algum motivo não é considerada entre as universidades mais antigas no mundo. De qualquer forma fica claro que a Igreja Católica não criou as universidades. Outro ponto interessante de citar é que uma vez criada as universidades na Europa não significa que a relação era boa entre elas, muito pelo contrário. A relação com as descobertas científica ser muito mais de tolerância que incentivo e a Igreja exercia muito controle sobre o que era ensinado para que estivesse de acordo com os evangelhos. Dificilmente alguém conseguiria ensinar sobre a evolução nessa época por exemplo. Como prova desse controle está o banimento do ensino de direito civil na Universidade de Paris em 1219 através da bula Super Speculam.


Ainda nesse tema, muito se critica a Igreja pela perseguição a intelectuais e censura durante a Idade Média, o que pra variar é negado pelos cristãos. No entanto o que não faltam são registros de alguns cientistas e pensadores perseguidos e censurados pela Igreja, como Giordano Bruno, Amalrico de Bena, Pietro d’Abano, William de Ockham, Johannes Kepler, René Descartes e vários outros, em especial Roger Bacon, o criador do método científico e citado com orgulho por cristãos por causa disso, foi perseguido e preso pela Igreja por conta de seus pensamentos, mas essa parte na certa você não saberá por um apologista. Tivemos também censura a conteúdo de medicina, como aos médicos portugueses Amato Lusitano e Gonçalo Cabreira e dos não portugueses Levinus Lemnius, Adam Bodenstein, Johann Ernst Burgravius, Robert Fludd, Gerard Dorn, Andreas Libavius, do pai da botânica Leonhart Fuchs, do criador do teorema de probabilidades Girolamo Cardan e de um dos criadores da zoologia moderna Conrad Gessner, Leonardo Fioravanti e vários outros. Na verdade existe uma estimativa de quase 3 mil nomes censurados e registrados no Index Librorum Prohibitorum Expurgatorum português.


A relação problemática entre a ciência e a Igreja fica claro no que se refere ao heliocentrismo. Além dos citados tivemos Nicolau Copérnico e Galileu, censurados por dizerem que a terra gira em torno do sol e não o contrário. Galileu foi preso em prisão domiciliar por causa disso e Copérnico teve seu livro "Revolutionibus Orbium Coelestium" colocado na lista de livros heréticos da Igreja, e foi censurado. Os apologistas alegam que o problema nunca foi o heliocentrismo mas a forma arrogante que Galileu apresentou sua ideia e que Copérnico antes disso não havia sido perseguido. Só que isso são apenas pormenores da história que não muda que havia amplo poder da Igreja de censurar obras e que elas foram de fato feitas e que de fato atrasou a ciência. Podemos citar por exemplo o caso de Miguel Servet, o primeiro europeu que descreveu a circulação sanguínea e foi condenado a morte na fogueira porque negava princípios da Trindade, mas no entanto na hora de queimar suas obras não fizeram distinção do que era científico ou não e queimaram seu livro que relatava tal descoberta. O Christianismi Restitutio só seria republicado 150 anos depois da sua morte. Como um atraso de 150 anos de uma informação como funciona a circulação humana não é um atraso científico mesmo que não tenha essa intenção de fato? Na verdade até houveram outros autores europeus que descreveram a circulação como Vesálio e Matteo Realdo Colombo, mas não de forma tão incisiva e boa como Servet. Sem dúvidas a anulação de Servet foi um atraso e tanto para a medicina.


O caso de Servet no entanto foi uma exceção a regra. No geral havia dois tipos de censura feitas pela Igreja, que eram a sobre livros de conteúdo religioso e não religioso. Os primeiros que dissessem coisas consideradas heréticas eram prontamente banidos e proibidos de circular enquanto o segundo era permitido a circulação desde que fosse previamente avaliado por censores e caso tivesse alguma parte considerada herética esse era censurado e só então ele podia circular. O problema é que isso demorava muito tempo e atrasava ainda mais o já complicado processo de divulgação de um livro naquele tempo e atrasava a difusão do conhecimento. Alguns autores eram marcados e tinham todas suas obras de conteúdo não religioso analisadas e com isso demorava muito para eles serem publicadas e o conhecimento difundido. Por exemplo, Martin Ruland um médico e alquimista alemão, fundador da Quimiatria ou Iatroquimica, escreveu uma obra chamada Problematum Medieo-physieorum em 1608 e censurada pela Igreja em 1612. Por causa dessa censura seu nome ficou marcado e várias obras foram verificadas e demoraram ser autorizadas como Progymnasta Alchemiae, suae (1607), Demonstratio de iudicii de dente aureo (1595), De morbo ungarico (1610), Lexicon Alchemiae (1612) mas só autorizada a circular em 1632.


Aliás essa relação entre ciência e Igreja se mostra extremamente problemática pois ela só permitia que fosse ensinado aquilo que estivesse em conformidade com as escrituras bíblicas e assim se mantém até hoje e fica claro na encíclica Humani Generi sobre a evolução. O problema é, e se houver alguma descoberta científica que contradiga as escrituras? Ela seria censurada? Isso é um sério problema e que sem dúvidas atrasa o desenvolvimento científico e de fato aconteceu.


Em alguns casos pessoas foram perseguidas por simplesmente serem ateus como Kazimierz Lyszczynsk. Para ser justo não foi só o catolicismo que perseguiu pensadores considerados hereges. Thomas Hobbes foi intimidado na Inglaterra protestante devido a sua tendência ateísta na visão das pessoas da época e só não foi morto devido a sua amizade com o rei, o que não impediu o parlamento inglês de em 1648 a aprovar a Blasphemy Ordinance, que basicamente era a pena de morte para quem fosse ateu e em 1697, por meio do Blasphemy Act reiterou tal perseguição e a estendeu a outras religiões e qualquer um que contestasse a religião oficial do estado. Vários não tiveram a mesma sorte de Hobbes. Vale lembrar que a mesma Inglaterra baseado em argumentos religiosos só bem recentemente no século XX descriminalizou a homossexualidade.


A verdade é que todo esse revisionismo sobre a relação conflituosa entre religião e ciência não se sustenta. Nem precisamos recorrer ao passado quando o sistema heliocêntrico foi um problema, pois temos exemplos ocorrendo hoje em dia mesmo. Só recentemente o Papa Francisco pôs um fim a disputa entre religião e a evolução, até então a Igreja era abertamente contra essa ideia a ponto da obra de Darwin "A origem das espécies" estar no Index Librorum Prohibitorum , uma lista de livros proibidos pela Igreja Católica por serem considerados hereges e que chegou a contar com mais de 4 mil livros na sua edição mais recente em 1948. Até hoje os principais negadores dela são todos religiosos, muitos deles sendo adeptos do design inteligente que basicamente é criacionismo disfarçado. Até hoje as pesquisas com células tronco encontram resistência da Igreja.


Conclusão


A tentativa dos revisionistas históricos de tentar pregar que a Idade Média ou os tempos que a Igreja tinha grande influência não eram tão ruins assim na tentativa de advogar contra um estado laico não resiste a uma análise histórica um pouco mais aprofundada. Pode até ser importante para desmitificarmos alguns exageros sobre a Idade Média, mas nem de longe serve para provar como um estado teocrático cristão não seria uma má ideia. Ainda podemos sustentar uma narrativa que quando religiosos estiveram no poder foi uma época marcada por censura, guerras santas e perseguição a outras religiões, ateus e minorias que eles julgavam não merecedora de direitos baseado nos dados que temos. Há quem cite Dinamarca, Inglaterra atual e outros países europeus que são estados confessionais como exemplos que nada disso aconteceria mas nesses países os reis não tem poder algum e só se mantem como estados confessionais porque é a única justificativa para manter um rei no poder. Tirando eles os poucos estados confessionais que restam no mundo são os países islâmicos que decapitam homossexuais em praça pública e dispensam explicações de porque não são exemplos para nada. Não tem como, sempre que religiosos estiverem no poder e tiverem a oportunidade usarão suas crenças como desculpa para perseguição a alguns grupos. Não precisamos ir longe, o atual governo de Bolsonaro é um claro exemplo disso. Felizmente como vivemos em um país democrático (ainda) o governo tem poderes limitados e não pode ordenar a execução pública de LGBTs , mas sempre que tem a oportunidade eles tentam impor leis baseadas em fundamentalismo religioso, como um ministério do governo tentar impedir uma menina de 10 anos estuprada e grávida de fazer um aborto, colocar um criacionista para comandar pasta da CAPES, constantes ataques a imaginária ideologia de gênero, tentar converter indígenas e cogitar e provavelmente irá indicar um ministro terrivelmente evangélico para o STF. Sim, nada disso é lá um grande ataque ainda, mas como já dito isso se deve muito mais a limitação de poder do que a não vontade dos governantes em impor ideais religiosos. Então pessoas minimante sensatas devem defender o estado laico e não cair na conversa de apologistas que querem impor suas crenças sobre os outros.


Referências :

Sobre a Rebelião Taiping , que sob ideais cristãos matou mais de 40 milhões na China.

"E, no Reinado Chinês, uma obscura, esquecida por muitos e violenta rebelião tomou forma e promoveu a morte de mais de 20 milhões de pessoas (na Primeira Guerra Mundial foram 17 milhões), marcando a mais trágica Guerra Civil da história da humanidade. E o gatilho para essa catástrofe foi um homem chinês comum empunhando uma distorcida bandeira do Cristianismo"

Teve o massacre no Congo promovido por Leopoldo II , 10 milhões de mortes :

Sobre a quantidade de mortos de Napoleão, guerras religiosas na França, Rebelião Taiping, Tráfico de escravos no Atlântico e fome na Índia, a fonte é o livro do Steven Pinker "Os anjos bons de nossa natureza".


Sobre Napoleão ser católico e fazer o catolicismo a religião oficial do estado:


Huguenotes :


Massacre de Verden:


Cruzadas Algebiense e do norte :



Anabatistas :



Caça as bruxas :




Inquisição :



Perseguição aos judeus :





Hussitas :



Minuto : 1:40 a 1:45

Stendings e Valdenses


"O balanço final da perseguição, redigido com meticulosidade pelo vice-

rei Alcalà, fala de dois mil mortos e 1.600 presos. Destes, 150 foram condenados à morte. "


O livro negro do cristianismo. Página 112 e 113 .


"Uns 2.700 homens foram mortos, e 600 foram mandados trabalhar em galés, sem se mencionar o sofrimento das mulheres e das crianças"




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3 komentáře


Le'guéss
Le'guéss
19. 3. 2021

Seu post é tão patético que você escreve "Algebiense".

To se mi líbí

Le'guéss
Le'guéss
19. 3. 2021

Macaco, me passe seu discord para eu refutar seus delírios.

To se mi líbí

Le'guéss
Le'guéss
19. 3. 2021

Erradíssimo.

To se mi líbí
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