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A Igreja não acreditava em bruxas?

Muitas pessoas, principalmente apologistas, têm circulado a ideia de que a Igreja Católica não poderia condenar e perseguir bruxas pois ela não acreditava nelas, além de propagar outras ideias como que as pessoas condenadas por bruxaria seriam na verdade pessoas terríveis, que cometiam assassinatos, destruição de plantações, etc... Porém uma análise histórica prova algo bem diferente, deixando claro que tais alegações são só a boa e velha passada de pano mesmo. Então, nesse post irei procurar responder 3 alegações apologistas: A Igreja acreditava em bruxas? Quais práticas eram condenadas pela Igreja e classificadas como bruxaria? Como eram tratados os acusados de bruxaria?


1- A Igreja acreditava em bruxas?


Definitivamente sim. A ideia que a Igreja não acreditava em bruxas deve ser vista com extremo ceticismo. Essa ideia provavelmente surgiu devido ao ceticismo que a Igreja tratava o sabá, ou o voo das bruxas em vassouras. Isso é evidenciado pelo próprio cânone Episcopi, onde relatos de bruxas voando são vistos como alucinações causadas pelo demônio e mais tarde reforçada pelo Decreto de Burcardo, mais precisamente no penitenciário Corretor e reforçado também pelo canonista Ivo de Chartres (1040-1115), na parte XI do seu Decretum, no começo do século XII, que enfatiza que as ações da bruxas são ilusões. No entanto, o próprio cânone Episcopi é um dos primeiros a trazer punições legais a quem praticasse a magia condenada pela igreja, com expulsão da paróquia e o Decretum de Ivo de Chartres enfatiza que clérigos que fossem pegos recorrendo a adivinhação teriam de ser expulsos da Igreja. Entre acreditar que ações como o voo, mudar o pensamento dos homens, mudar o tempo ou outras práticas específicas não seriam possíveis e não acreditar em bruxaria, há uma diferença enorme. Tanto que haviam Livretos das penitências que prescreviam penitências para quem mudasse o tempo usando bruxaria. " [...] se alguém liberou tempestades, sete anos de penitência, sendo três a pão e água.” dizia ele. Além disso o abade Rábano Mauro no século IX pregou pela excomunhão e expulsão do convívio social de praticantes da magia, algo reforçado pelo canonista da Universidade de Bolonha, Rufino, embora esse pregasse necessidade de tentativa de conversão do indivíduo e aplicação de penitências antes. Graciano recorreu ao mesmo cânone Episcopi ao insistir que “os bispos devem se esforçar para eliminar de todas as formas a arte mágica e sortílega".


Devemos entender que práticas supersticiosas sempre existiram nas populações de quase todas sociedades ao longo da história, muitas vezes eles nem sequer se viam como adoradores do diabo ou não cristãos, porém a Igreja condenava algumas dessas práticas por associá-las ao diabo, e a essas práticas mais tarde seria dado o nome de bruxaria e seus praticantes, magos e bruxas. Então é comum que você verá no texto citações de associação com o diabo, o que significa bruxaria. A Igreja de fato acreditava que algumas pessoas poderiam recorrer a magia em associação com o diabo e que isso poderia fazer mal aos outros indivíduos e influencia-los a seguir práticas demoníacas e condenava pessoas por isso. Não a toa haviam livros de penitência feitos por pessoas ligadas a Igreja como padres, bispos, arcebispos, etc.. que confirmam tais crenças, como o franco Penitencial dos juízos do século VII que em uma seção precisa a respeito dos “maléficos, venéficos, sortílegos, aríolos ou adivinhos”, estabelecia punições para alguém que houvesse prejudicado, feito sofrer ou destruído outra pessoa por meio de magia (descrita por ele como malefícios), poção de amor ou envenenamento e receberia então penitências, de acordo com o seu papel na sociedade, sendo diferente a punição para quem fosse padre, leigo, bispo, etc... Algo reforçado pelo Livreto das penitências do século XI e XII.


O Bispo Burcardo de Worms compôs o Decreto (Decretum), em que nesta obra nos interessa em particular o livro XIX, chamado de O Corretor ou Médico (Corrector sive medicus), que tratou da arte mágica, reservando pelo menos duas seções para evocar uma diversidade de práticas que foram entendidas, seguindo o vocabulário do autor, como mágicas. Dentre as perguntas que foram indicadas para que o sacerdote fizesse ao penitente, estão algumas como:


“tu consultaste magos, levando-os para tua casa (...) [ou] convidaste adivinhos para interrogar sobre o futuro, quase como se fossem profetas (...) ou aqueles que esperam prever o futuro ao lançar a sorte, ou aqueles que se valem de augúrios e encantamentos?”


Além disso, o manual orientava que se investigasse sobre a presença dos fiéis em cemitérios, bem como sobre o culto aos planetas e às estrelas ou a respeito da observação da lua para ganhar algum tipo de ajuda dos céus, se questionasse sobre a presença suspeita do fiel em encruzilhadas e em diversos tipos de adivinhação além de penitências para quem “coletou ervas medicinais recitando encantamentos ímpios” ou ainda para aquele que “tirou a sorte nos livros ou tábuas escritas, como muitos costumam fazer com os Salmos ou os Evangelhos” ou que ainda utilizou qualquer “outra coisa similar que considere para tirar a sorte”, uma “penitência de dez dias a pão e água”. Havia também preocupação com curas envolvendo palavras, faladas ou escritas, manifestado por autores como Santo Agostinho. Vale pontuar, no entanto, que para a Igreja e seus membros haviam as curas verbais boas tidas como bênçãos e as ruins que seriam sortilégios. Muitos autores de manuais pastorais condenavam certas curas envolvendo palavras, faladas ou escritas, como sortilégio. Como Guillaume Peyraut, um frade franciscano escreveu uma Summa sobre os Vícios e Virtudes por volta de 1236 sobre esse tema, e um frade franciscano alemão chamado João de Friburgo, escreveu uma Summa para Confessores por volta de 1297–8 confirmando tais condenações. O teólogo inglês Tomás de Chobham também reproduziu outra declaração dos penitenciais:


"Nem é permitido prestar atenção a certas observações ou encantamentos ao coletar ervas medicinais, a menos que seja apenas com o Credo divino ou a Oração do Senhor, para que somente Deus seja honrado como Senhor e criador de tudo."


Thomas de Chobham também defendia que as forças naturais existiam em três materiais: palavras, ervas e pedras, acreditando que elas poderiam ser usadas para o bem ou para o mal (nesse caso bruxaria). Raymond de Peñafort, um frade dominicano catalão, acrescentou que, além de recitar a Oração do Senhor ao coletar ervas, era legítimo colocar pedaços do pergaminho nos quais essas orações foram escritas na pessoa doente. Ou seja, é perceptível que sim, ela acreditava em bruxas. Do contrário, não criaria uma série de penitências e demonstraria toda uma preocupação com quem a pratica.


Não bastasse tudo isso, depois disso veio a bula papal Ad abolendam, que trata sobre as heresias e condena veementemente a magia, e ainda invocou a auctoritate apostólica para condenar “toda a heresia, seja qual for o nome pelo qual é conhecida”, sublinhando propositalmente um entendimento amplo e genérico do que poderia ser enquadrado como tal. Essa consciência de que muitas coisas poderiam ser heresia, recorrente na legislação, foi um importante precedente que favoreceu a inserção do malefício (magia) nessa categoria conceitual de heresia. Ela também foi um marco por substituir a penitência eterna pela entrega dos hereges ao braço secular. A bula Qualiter et quando junto com a Ad abolendam foram importantes para trazer a ideia de dar grande importância a pessoas na comunidade de boa reputação que denunciam os hereges.


Outra evidência da crença da Igreja em bruxas foi quando o inquisidor Conrado de Marburgo relatou ter pego pessoas em grupos heréticos que, dentre diversas outras práticas, durante seus encontros secretos noturnos beijavam animais fantásticos, se entregavam ao culto ao Diabo e praticavam orgias, algo que entendemos como a bruxaria. A alegação foi recebida com ceticismo pelo arcebisbo de Meinz, Bernardo. Mas o papa não só acatou tais alegações, como emitiu uma bula em apoio a Conrado, a Vox in Rama, além de um documento chamado "O altitudo divitiarum" para Conrado, apoiando sua ação e ainda convocaria a Cruzada de Stedinger e da Bósnia contra os hereges da região. A Vox in rama inclusive mais tarde seria vista como reconhecimento da Igreja ao Sabá das Bruxas. A decretal Quod super nonnullis, promulgada pelo papa Alexandre IV, em 1258 dizia que caso adivinhos ou outros praticantes de magia soassem como hereges poderiam ser perseguidos. Dizia a bula:


"No tocante ao que é perguntado, ou seja, se a heresia acerca das adivinhações e dos sortilégios interessa aos inquisidores, deve-se conhecer e punir tais perseguidores que são denunciados."


Podemos citar também a bula Summis desiderantes affectibus publicada em 1484 o papa reconhece oficialmente a realidade da bruxaria e encarrega os dominicanos Henry Kramer (1430-1505) e James Sprenger (1435-1495) de caçar a bruxaria na Alemanha. Portanto, mesmo que houvesse um breve período de ceticismo ao sabá das bruxas, percebemos que ela sempre acreditou em magia do mal e até mesmo em relação a esse ceticismo ao sabá depois seria mudado. A Igreja, na medida em que alcança poder absoluto no século XIII, muda bastante sua relação com a magia. Não que não acreditasse nela antes, mas passa a ser mais intolerante. Não só acreditava em bruxas e magia como busca controlar as práticas mágicas, levando os homens da Igreja a evidenciar nelas, quando praticada por outros, a presença direta do inimigo. Não podendo mais tolerar a subsistência das superstições antigas e não integradas. O que é interessante de perceber em relação à bula papal de Alexandre IV, pois nela o papa afirma haver práticas mágicas que são passíveis de perseguição, desde que comprovadas. A seguir veremos quais ações eram passíveis de se classificar como bruxaria e perseguição pela Igreja.


2- Quais práticas era condenadas pela Igreja e classificadas como bruxaria?


Já vimos algumas ações enquadradas como bruxaria que vão muito além do que os apologistas alegam, como colher ervas medicinais recitando magia negra, recorrer a astrologia, etc... Há no entanto várias outras ações que eram perseguidas por serem entendidas como bruxaria. Nos capítulos 4 e 5 da própria Quod super nonnullis há uma demarcação de que tipos de magia são considerados como heresias, a adivinhação e os sortilégios. Ela diz que o adivinho faz previsões do futuro e vê profecias, seja através de runas, de conchas, de ervas, de chás, entre outros. Os sortilégios são considerados práticas mágicas diversas, também podendo ser chamado de feitiço, malefício e bruxaria. São práticas consideradas como supersticiosas e que têm uma ação direta no mundo natural. Os sortilégios poderiam ser mecânicos, como um contra verrugas que ordenava colher a urina de um cão e o sangue de um rato, misturar bem e untar as verrugas com isso para que essas desapareçam ou religiosos como mandar uma jovem deverá ir até um manancial que corre para leste tirar uma xícara de água corrente e em torno dela entoar o credo e um pai nosso para curar um homem perturbado por tumores perto do coração.


Entre as ações perseguidas se encaixam realizar orações nefastas próximo ao altar dos ídolos, oferecer sacrifícios, consultar os demônios para receber respostas deles. O manual dos inquisidores "Summa de officio inquisitionis" especificava várias práticas que o inquisidor deveria investigar, entre elas várias consideradas de experimento do espelho, da espada, das unhas, da esfera ou de cabo de vassoura, que eram usados na adivinhação. Além disso havia preocupação com necromancia e práticas de magia que usava de peças de roupas, sangue, cabelos ou unhas das pessoas como uma forma de influenciá-las ou até mesmo de tomar suas influências para si. Além de profanação de objetos sagrados, investigar a respeito do futuro através das mãos de alguém e magia de talismãs.


Em 1330 o jurista e inquisidor Zanchino Ugolini publicou a obra intitulada De haereticis ou mesmo Super materia hereticorum (Sobre os hereges). Nela é especificado a condenação dos chamados magos, pessoas que mexiam com magia com objetivo de não apenas tentar profetizar eventos futuros e conhecer todas as coisas ocultas”, fazendo aí uma possível referência às forças secretas ou escondidas que a magia natural procurava estudar, “mas que também por uma certa arte mágica, fazendo imagens de cera e de outras coisas” tentam, a partir disso, influenciar, mover e também torturar, no sentido de provocar a dor , o coração ou íntimo de alguém. O inquisidor Nicolau Eimérico ainda cita em seu livro na questão 43 uma forma de identificar adoradores do demônio, e uma das formas descritas por ele trata de pessoas desenhando um círculo na terra, colocando um jovem no círculo, e posicionando um espelho, uma espada, uma ânfora ou outros objetos ao redor e à frente do jovem, o mesmo necromântico toma um livro, o lê e invoca os demônios.


O papa João XXII demonstrou grande preocupação com os magos e pessoas que faziam magia, e logo que assumiu seu pontífice Quaestiones sobre o enquadramento ainda incerto daqueles que batizam imagens e invocam os demônios, se deveriam ser punidos como meros supersticiosos ou, de forma mais grave, como hereges, o pontífice escreveu a dez especialistas, sendo estes teólogos, juristas e inquisidores, esperando seus comentários a respeito do problema. Essa consulta muito provavelmente tinha por objetivo reunir argumentos sólidos para a posterior criação de uma bula contra eles, com a maioria dos especialistas, se baseando em argumentos teológicos e jurídicos, concordando com a extensão do conceito de heresia para abarcar as práticas dos magos, visando legitimar uma perseguição que na prática já acontecia, o que é evidenciado pelo testemunho da Summa de officio inquisitionis que décadas antes, como visto, já enquadrava os magos como hereges.


A Igreja também acreditava que objetos podiam ser animados por meio de magia, o próprio Tomás de Aquino, por exemplo, diz : “É dito que por meio das artes mágicas uma estátua é capaz de se mover ou falar”, escreveu, argumentando na sequência que seria impossível que isso fosse feito apenas pelas virtudes das estrelas, e que se a vida “não se encontra na pedra, na cera nem no metal — os materiais por meio dos quais é feita uma estátua”, então seria apenas pela arte da nigromancia que essas imagens poderiam ser animadas, ou seja, literalmente dotadas de uma anima. Sendo tal crença o motivo de um processo em 1326 movidos pelo Papa João XXII contra clérigos e leigos da diocese de Toulouse. A Igreja acreditava que era possível assassinar pessoas via fabricação de estátuas batizadas, como o caso de uma carta datada de 29 de outubro de 1337, em que o pontífice orienta seus representantes para que procedam sobre as acusações de magia do bispo Guilherme de Béziers. Vários são os casos que mostram a movimentação da Igreja em torno de casos de acusação de magia que provam que era sim uma crença real da Igreja. São alguns deles:


O caso do bispo Hugues Géraud que foi acusado de tentar assassinar o Papa João XXII por meio de maleficia (magia). Ele foi julgado, interrogado 7 vezes e queimado na fogueira. Também o caso do bispo Guichard de Troyes, que ocorreu entre 1308 e 1311, foi acusado de utilizar da magia de imagens para envultar e assassinar a rainha Joana de Navarra, esposa do rei Felipe, o Belo. Também houve o caso Roberto, arcebispo de Aix-en-Provence, acusado entre 1317 e 1318 de se envolver com sortilégios, adivinhações e de fazer mau uso da astrologia, além de outros crimes.


Apesar da grande preocupação da igreja em perseguir pessoas ligadas a ela que praticassem magia, devemos ter em mente que também havia perseguição a população em geral, os chamados leigos, como menciona o cânone Episcopi para dizer que os clérigos ou leigos, uma vez encontrados e condenados, deveriam demonstrar o arrependimento, abjurar dessa heresia e “em razão dos sortilégios, depois de degradados, devem ficar reclusos dentre paredes estreitas e presos em correntes, com o pão da angústia e a água do aperto, em perpétua penitência”. Houveram casos que provam isso, como em 1318 o papa João XXII escreveu a algumas autoridades locais da diocese de Rodez para informá-las a respeito de um caso envolvendo diversos homens acusados de praticar magia. Além de um médico, João de Amanto, são mencionados os clérigos Valter, Guilherme, Conrado e Tomás e também um barbeiro chamado Inocêncio. O papa menciona que, segundo a reputação atribuída aos magos, a adivinhação ocorreria quando os suspeitos “prendem demônios em espelhos, círculos ou anéis, e então perguntam a eles não apenas sobre o passado, mas também sobre o futuro”— poder este que seria reservado somente a Deus.


O estudioso Richard Kieckhefer em seu calendário de julgamentos, organizado em razão dos casos que enquadrou pelo motivo de “bruxaria” entre 1300 e 1500 apontou 4 fases dos julgamentos:


1- Durante a primeira fase, entre os anos 1300 e 1330, a taxa de acusações ainda seria baixa e mais da metade dos processos era oriunda do reino da França. No entanto sabe-se que esse número pequeno na primeira fase deixou vários casos de lado, que tornaria a perseguição bem mais severa nas primeiras fases.

2- Na segunda fase, entre 1330 e 1375, o território francês continuaria ocupando certo protagonismo, mas apenas em relação a suspeitos “não importantes”.

3- Na terceira fase, entre 1375 e 1435, Kieckhefer identifica uma mudança significativa: há um aumento substancial dos processos, muito provavelmente em razão da incorporação do método inquisitório pelas cortes municipais. Haveria uma ampliação dessas investigações para além do contexto eclesiástico, agora nos tribunais civis.

4- Já na última fase, entre 1435 e 1500, essas mudanças tomariam novas proporções, motivando processos marcados por uma nova noção de “bruxaria”: uma em que acusações de envolvimento com o Diabo ganhariam cada vez mais detalhes e certo protagonismo nos relatos das investigações. Jean-Patrice Boudet, a partir dos recortes de Kieckhefer, afirma que nessa última fase haveria o que chamou de um “duplo processo de democratização e feminilização” nos processos: em vez de homens de alto escalão acusados de magia, agora vemos, sobretudo, mulheres de classes inferiores sendo acusadas de incantationes, de maleficium, e assim por diante.


Michael Bailey, também a partir do mapeamento de Kieckhefer, comenta a questão de gênero em termos quantitativos: antes de 1350, cerca de 75% dos suspeitos em processos de magia eram homens. Na segunda metade do século XIV, esse número chega a 42%, e, no século XV, a quantidade de homens processados cai até os 30% dos números absolutos. Nos séculos seguintes esse número é ainda menor. Isso se deve porque no início a Igreja focava mais em pessoas ligadas ao clero que praticavam suas magias, e como eram em maioria esmagadora homens isso refletiu na taxa maior de perseguição a homens que mulheres.


Isso não significa que não ocorressem casos de acusações de magia contra mulheres, na verdade há vários casos como um que ocorreu em 1337 em que houve um processo direcionado a duas mulheres de Viviers acusadas de oferecer quantidades de trigo ao diabo uma vez ao ano e outro em 1319 contra uma mulher acusada de magia em Toulouse, os sacerdote fizeram com que fossem colocados carvões acesos nas plantas dos pés dessa mulher, a qual, sentindo seu calor e ardor, confessou a maior parte das coisas horrendas contra a fé católica. O monge beneditino Regino de Prum, por volta de 906, numa coletânea de instruções aos bispos, elabora uma condenação de falsas crenças que levantam a questão da realidade de uma prática que mais tarde será conhecida como Sabá das bruxas. Dentro de seus capítulos, que trata da disciplina eclesiástica dos leigos, há formas de lidar com os encantadores, a condenação às oferendas às árvores, fontes ou pedras, a condenação sobre os que cantam canções diabólicas ou encantamentos sobre pão ou ervas; declara que o clero deveria indagar sobre qualquer mulher que por qualquer maleficia ou encantamento diz que pode mudar a mente de um homem (do ódio ao amor, do amor ao ódio) e que se encontrarem uma mulher que pertença a um grupo que cavalga com demônio transformado à semelhança das mulheres em certas noites, eles devem expulsá-las de suas paróquias.


Como eram tratados os acusados de bruxaria?


Apologistas por vez gostam de citar detalhes do processo inquisitorial como a diferença entre erro e heresia, supostamente admissão de um defensor para o acusado, apelação ao papa, etc.... para passar a ideia de uma Inquisição boazinha e democrática. Porém novamente a análise da realidade mostra algo bem diferente. O próprio caso das mulher morta para obter confissões nos dá uma ideia de como funciona a prática. Percebe-se aqui não só casos como os tradicionais no imaginário popular de perseguição a bruxas como uma refutação a ideia que não ocorria tortura nos tribunais inquisitoriais. Não só ocorriam como a Igreja se mostrou conivente com isso dada a necessidade de obter informações e dispensou qualquer acusação contra os envolvidos no processo. Escreveu o papa:


"Tu tens dúvidas se incorreu em irregularidade, e por isso nos suplicou humildemente que nos dignássemos misericordiosamente a te dispensar dessa irregularidade, se é que tenha incorrido nela."


Uma vez que o sacerdote autorizou a tortura tendo em vista “a defesa e o zelo da fé católica”, segundo o entendimento do papa, a resposta da Santa Sé acabou sendo favorável à sua demanda:


"Nós, então, em relação às tuas súplicas sobre este assunto, nos inclinamos benignamente, e querendo te prover com um remédio saudável, pela autoridade apostólica, te dispensamos dessa irregularidade, se por acaso a tiver contraído." disse o papa.


Autores como Henry Kelly e Julien Théry-Astruc entendem que as pessoas de má reputação ou de baixo status social seriam, provavelmente, grupos mais vulneráveis à aplicação da tortura, o que explicaria o uso desse recurso à mulher anônima. Havia grande diferença de tratamento no caso do acusado ser rico ou pobre, ou leigo ou do clero. Dois exemplos, é um caso de uma disputa entre famílias nobres em Lyon, em que um homem chamado Hervei foi acusado de usar magia para assassinar outro nobre, chamado Pedro, da família rival. Hervei, então, entrou com recurso em relação à sua condenação pelos inquisidores locais e foi até Avinhão para ser julgado pelo papa. Seus servos, porém, foram torturados e forçados a fazer confissões e posteriormente mortos. Havia nesse mesmo caso relatado por Bento XII a menção a um tal clérigo Guilherme, da diocese de Lyon, também envolvido no caso, exigindo que, depois de preso, fosse enviado à Avinhão para ser julgado sob a jurisdição papal. Em 1326, ocorreu um caso em Agen e Limousin mandou duas pessoas até o patíbulo de Limoges, sabemos que estes eram um leigo chamado Pedro e um clérigo chamado João. Enquanto o primeiro foi queimado, seguindo “a tradição do justo direito”, o clérigo foi enviado, antes disso, à prisão do bispo para ser julgado sob outra alçada.


Aproveito essa parte para falar um pouco sobre os métodos de tortura usados na Idade Média. Muitos revisionistas cristãos com o objetivo de relativizar as atrocidades cometidas pela Igreja tem questionado que muitos métodos de tortura nunca foram usados na Idade Média. Alguns citados são o berço de judas , dama de ferro e cadeira espanhola. No caso do berço de Judas ou pera da angústia temos sim alguns estudos que apontam que eles eram usados na Idade Média, mas isso não importa . Existem vários outros métodos de tortura que eram usados em larga escala na Idade Média e revelam o quanto a Igreja Católica era cruel na época como strappado, cavalo, rack, tesoura de crocodilo, a roda, bota espanhola, etc...


Conclusão


Sim, a Igreja acreditava em bruxas. Vários documentos oficiais como livro de penitências para quem praticasse magia e até bulas oficiais confirmam isso. Entre as ações eram classificadas como bruxaria estavam coisas banais como colher ervas recitando palavras consideradas ímpias, oferendas às árvores, fontes ou pedras, poções do amor, necromancia, oferecer quantidades de trigo ao diabo uma vez ao ano, rituais com círculos desenhados no chão e pessoas no centro dele, consulta a adivinhos, uso de amuleto e pedra considerada "mágicas", processos com objetos visando anima-los, batizar imagens, práticas de magia que usava de peças de roupas, sangue, cabelos ou unhas das pessoas como uma forma de influenciá-las ou até mesmo de tomar suas influências para si e várias outras. Além disso a Igreja acreditava que existia magia ruim que poderia ser usada para matar pessoas e perseguia quem fizesse isso. Portanto qualquer alegação de apologistas que visem reinterpretar a história no sentido de "Hur dur a Igreja não acreditava em bruxas, e as pessoas que praticavam bruxaria eram malvadonas" é falso. Obviamente ninguém é santo na história da humanidade, mas a visão popularizada da Idade Média como um período de trevas e a perseguição a bruxas como fruto de intolerância religiosa contra pessoa que não faziam nada demais também é mais próxima da realidade do que a visão romantizada da Igreja que algumas pessoas propõem.

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